Dois soldadinhos cearenses em risco de cabal apagamento. O primeiro, a ave; segundo, o revolucionário imberbe
Soldadinho do Araripe, que em vestes acadêmicas se chama Antilophia bokermanni, é uma ave endêmica, exclusiva da Chapada do Araripe, tal qual uma Bárbara de Alencar de asas, em referência humana, para uma microrregião. Todavia, pequena diferença se estabelece: a revolucionária de 1817, enxotada pela política ideológico-cultural do memoricídio, pede pena.
Um segundo soldadinho que voou pelos campos caririenses nas batalhas entre imperialistas corcundas e independentistas libertários, também já perdeu todas as penas. Neto de Bárbara, Pedro Jaime, cognominado Soldadinho do Araripe — por seus imaturos 14 anos, filho de Tristão de Araripe com uma escrava, nem rastos deixou nas arenas de combate. Nem mesmo no chão da memória…
Dois soldadinhos cearenses em risco de cabal apagamento. O primeiro, a ave. Entre a dor e a revolta, punge sabê-la ameaçada de extinção, por conta de uma longa prática humana ecocida. O segundo, o revolucionário imberbe, pendura-se de um frágil fio solto da rede histórica da Confederação do Equador no Ceará. O ano de 2024, bicentenário do movimento revolucionário, é data simbólica para reparar desconhecimentos e esquecimentos. Data de lembrança de heróis e heroínas que deram sangue e alma pela causa libertária cearense.
Os dois soldadinhos, no entanto, são protagonistas das lutas contra opressões diversas, estruturadas na cabeça do opressor em uma sociedade autoritária. Um, ainda resiste de pé, com asas abertas. Entre um chilrear mavioso e um galanteio maravilhoso, assiste-se à desenvoltura de um ator completo, de corpo e alma, em teatro ecológico. Por trás de seu discurso estético, que embevece corações humanos, esconde-se um discurso ético-político. Os dois soldadinhos acabam muito ensinando, por vias diversas, que o futuro de vida plena exige reatar o fio contínuo da história.
Um soldadinho, em extinção, porém ativo na denúncia estridente e corrosiva de um mundo distópico, insustentável ecologicamente, em que vaga perdido pela devastação do próprio devastador. O outro soldadinho, extinto, mas qual zumbi, não deixa apagar a luta por um mundo utópico, de justiça socioambiental.
Fonte: O Povo