Artigo: “Olimpíada política”, por Jurandir Gurgel

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Nesses tempos de Olímpiada os olhares se voltam para as competições e as performances dos atletas. Muito também se fala sobre as condições que a cidade de Paris iria oferecer, notadamente em relação a qualidade das águas do Rio Sena, se estariam apropriadas a competições e se não ofereceriam perigo à saúde dos atletas. Ipso facto, penso que os organizadores olímpicos da “Cidade Luz” cometeram erros estratégicos e deixaram macular o encantamento mundial de uma olimpíada dentro de sua casa. As Olimpíadas de Paris começaram com problemas dentro e fora das arenas, revelando a vitória do improviso sobre o planejamento, da estratégia e do propósito.

Em breve os olhares se voltarão para as eleições. Inspirados no evento olímpico, surge uma comparação de que, em tese, os competidores da olimpíada política tiveram quatro anos de preparo para subir ao pódio da votação e conquistar a medalha de gestor público do executivo e a medalha de equipe ao parlamento municipal. Assim como os competidores de uma olímpiada são de alta performance, da mesma forma se espera que os candidatos o sejam igualmente no elevado espírito público e na competência, para se habilitarem ao pódio dessa nobre função de ser servidor do público. Uma máxima se coaduna em ambas as olimpíadas: os guerreiros vitoriosos vencem antes de ir à competição, ao passo que os derrotados vão à competição e só então procuram a vitória.

Na Olímpiada existem diversas modalidades esportivas, enquanto as modalidades de uma arena política se revezam entre educação, saúde, segurança, meio ambiente e sustentabilidade fiscal, para o financiamento das políticas públicas geradoras de valor público. Na olímpiada dos esportes, os atletas participam sob os olhares atentos da plateia, que torce e comemora com eles; na olímpiada política, quem espera pelos resultados é a sociedade, que anseia ser atendida efetivamente em suas necessidades sociais. Nesse caso, a maior preocupação decorre dos princípios que regem a Administração Pública, previstos no art. 37, entre eles o Princípio da Eficiência, o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, mas a exigir que o dever de eficiência corresponda ao “dever de boa administração” com foco no bem-comum.

Enquanto o Rio Sena está escuro, em decorrência da poluição, o Rio das Desigualdades de Fortaleza está cristalino. Segundo o IPECE Informe – Nº 250 e Nº 249 – Julho/2024, que trata da extrema pobreza e da segurança alimentar, Fortaleza passou de 8,7% para 19,6% de sua população na extrema pobreza entre 2012 e 2023, vivenciando aumento significativo nos últimos dois anos, atingindo seu valor máximo em 2023, com um total de aproximadamente 172 mil fortalezenses nessa situação. Esses percentuais constatam, de forma inequívoca, que a desigualdade na capital cearense se manifesta de forma deletéria sobre as aglomerações precariamente distribuídas pela cidade. O percentual de domicílios em que moradores passam fome, inclusive crianças, é de 6,3%. Cumpre destacar que Fortaleza, com 978 mil domicílios, representa 29,7% do total do Ceará. Somados a outros extratos, o estado totaliza 3,292 milhões de domicílios. Curiosamente, a capital cearense concentra tanto 30,1% dos domicílios em segurança alimentar como o mesmo percentual em insegurança alimentar grave, isto é, quando alguém fica o dia inteiro sem comer por falta de dinheiro para comprar alimentos.

Reduzir a desigualdade social, econômica e territorial na cidade de Fortaleza é um dos maiores desafios a serem enfrentados. As margens desse rio revela o visível contraste entre a margem rica e a margem pobre, na qual vive grande parte de sua população em situação de pobreza e extrema pobreza, convivendo com situações de vulnerabilidade em questões comezinhas como a segurança alimentar, a moradia, o acesso ao consumo e aos serviços essenciais.

O verdadeiro pódio do propósito público que nossos competidores da olímpiada política devem almejar é tornar nossa cidade um lugar melhor para se viver, melhorando a vida dos fortalezenses, protegendo-os da fome, da violência, da negação de direitos e oferecendo-lhes as condições para que possam viver dignamente como cidadãos. É ter gestores públicos comprometidos com uma governança e gestão que assegure a participação da comunidade nas escolhas públicas, voltada à obtenção de resultados substantivos que atendam com eficiência alocativa as necessidades sociais. Em outubro seremos nós a concedermos a chance aos nossos competidores tornarem-se servidores do público de alta performance, a fim de que os princípios fundamentais de cidadania e dignidade da pessoa humana sejam garantidos, em um verdadeiro Estado Democrático de Direito.

Jurandir Gurgel foi Diretor Técnico-Científico da Fundação SINTAF